Num domingo, como outro qualquer, depois da prática de yoga,
me jogo no sofá pra ler a Zero, primeira leitura é o Caderno Donna, me delicio
com os textos da Claudia Tajes, eis que me deparo com o lançamento de mais um
livro de Diana Corso. Não conheço a Diana de perto, nunca nos falamos,
diferente da Claudinha, nem fomos sequer apresentadas em algum evento.
Mas tenho uma simpatia pelos seus textos que acabaram se transformado em simpatia por ela.
Fala de psicanálise e adora Clarice. Eu li e reli todos os livros de Clarice e sou apaixonada por psicanálise. Talvez, por isso, a admiração.
Mas tenho uma simpatia pelos seus textos que acabaram se transformado em simpatia por ela.
Fala de psicanálise e adora Clarice. Eu li e reli todos os livros de Clarice e sou apaixonada por psicanálise. Talvez, por isso, a admiração.
Fadas no Divã, outro livro de Diana em parceria com seu
marido Mario Corso, também psicanalista, é lindo!
Voltando ao lançamento do “Tomo conta do Mundo – Conficções
de uma Psicanalista”, Diana também fala de Virginia Woolf, outra grande
escritora, tão sensível como Clarice. Todas elas mulheres que revelaram muito
do pensamento feminino.
O título do livro de Diana tem a ver com uma crônica escrita
por Clarice, nos anos 70, “Eu tomo conta do Mundo”, extraída do livro “A
Descoberta do Mundo”.
Eis a crônica:
“Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Todos os
dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar, e vejo às vezes que as
espumas parecem mais brancas e que às vezes durante à noite as águas avançaram
inquietas, vejo isso pela marca que as ondas deixaram na areia.
Olho as amendoeiras de minha rua. Presto atenção se o céu de noite, antes de eu dormir e tomar conta do mundo em forma de sonho, se o céu de noite está estrelado e azul-marinho, porque em certas noites em vez de negro parece azul-marinho. O cosmos me dá muito trabalho, sobretudo porque vejo que Deus é o cosmos. Disso eu tomo conta com alguma relutância.
Olho as amendoeiras de minha rua. Presto atenção se o céu de noite, antes de eu dormir e tomar conta do mundo em forma de sonho, se o céu de noite está estrelado e azul-marinho, porque em certas noites em vez de negro parece azul-marinho. O cosmos me dá muito trabalho, sobretudo porque vejo que Deus é o cosmos. Disso eu tomo conta com alguma relutância.
Observo o menino de uns dez anos, vestido de trapos e magérrimo. Terá
futura tuberculose, se é que já não a tem.
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| Rita Elmor em "Que Mistérios Tem Clarice", com textos de Clarice Lispector e direção de Luiz Arthur Nunes. |
No Jardim Botânico, então, eu fico exaurida, tenho que tomar conta com o olhar das mil plantas e árvores, e sobretudo das vitórias-régias.
Que se repare que não menciono nenhuma vez as minhas impressões emotivas: lucidamente apenas falo de algumas das milhares de coisas e pessoas de quem eu tomo conta. Também não se trata de um emprego, pois dinheiro não ganho por isso. Fico apenas sabendo como é o mundo.
Se tomar conta do mundo dá trabalho? Sim. E lembro-me de um rosto terrivelmente inexpressível de uma mulher que vi na rua. Tomo conta dos milhares de favelados pelas encostas acima. Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.
Hão de me perguntar por que tomo conta do mundo: é que nasci assim, incumbida. E sou responsável por tudo o que existe, inclusive pelas guerras e pelos crimes de leso-corpo e lesa-alma. Sou inclusive responsável pelo Deus que está em constante cósmica evolução para melhor.
Tomo desde criança conta de uma fileira de formigas: elas andam em fila indiana carregando um pedacinho de folha, o que não impede que cada uma, encontrando uma fila de formigas que venha de direção oposta, pare para dizer alguma coisa às outras.
Li o livro célebre sobre as abelhas, e tomei desde então conta das abelhas, sobretudo da rainha-mãe. As abelhas voam e lidam com flores: isto eu constatei.
Mas as formigas têm uma cintura muito fininha. Nela, pequena como é, cabe um mundo que, se eu não tomar cuidado, me escapa: senso instintivo de organização, linguagem para além do supersônico aos nossos ouvidos, e provavelmente para sentimentos instintivos de amor-sentimento, já que falam. Tomei muita conta das formigas quando era pequena, e agora, que eu queria tanto poder revê-las, não encontro uma. Que não houve matança delas, eu sei porque se tivesse havido eu já teria sabido. Tomar conta do mundo exige também muita paciência: tenho que esperar pelo dia em que me apareça uma formiga. Paciência: observar as flores imperceptivelmente e lentamente se abrindo.
Só não encontrei ainda a quem prestar contas.”


2 comentários:
Adorei. :)
Querida Lea:
muito obrigada pela tua delicada leitura. quem disse que nós mulheres somos tão duras umas com as outras (o que é verdade), deve acrescentar que nos percebemos em uma profundidade diferente. como tu, sou grata a clarice e virginia por me guiarem nessa jornada!
abraços
Diana
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